quarta-feira, abril 21, 2010

NADA DE NOVO SOB OS ARCOS DA GLÓRIA

Adaptação de um grande sucesso de Zeca Pagodinho, “Dilma, leva eu” será o jingle da campanha do PT conforme anunciado na terça-feira, dia 20 de abril, por Duda Mendonça, que aliás está de volta à publicidade partidária, mas no nível estadual.

Afastado desde 2006, ele chegou a ser o todo-poderoso entre os marqueteiros petistas. Naquele ano, quando o escândalo do mensalão ocupava as manchetes digitais e analógicas, Mendonça foi substituido por João Santana que, ao contrário, nunca entrou em concorrências suspeitas para faturar contas publicitárias de estatais federais no país. E tudo indica, também, que o homem não é adepto das rinhas de galo. Há mais de um ano por detrás da “imagem” de Rousseff, Santana é bem mais discreto do que o publicitário baiano. Ele nunca deu entrevista desde que substituiu Mendonça.

Eu, que nunca morri de amores pela música original, achei a escolha justa. Pelo menos nenhuma canção de verdade, daquelas que toda a gente se orgulha de chamar de arte, será conspurcada. Encontrei, de quebra, um bom motivo para escrever.

Numa das minhas noites catarinenses, ouvi um gaiato fazer o seu comentariozinho infame. O Zeca Pagodinho cantava “deixa a vida me levar, vida leva eu” numa daquelas jukebox multicoloridas da era do CD (arremedo cafona, convenhamos, dos clássicos aparelhos de antanho). A lanchonete formigava. Suas mesas invadiam a calçada e alguns ocupantes podiam sentir o deslocamento de ar produzido pelos carros que passavam pela Avenida Brasil. Se era sábado ou domingo, eu não lembro, mas tenho certeza de que era final de semana. Ah, disto eu tenho certeza, pois quando morava em Balneário Camboriú (pode acreditar), estudava de segunda a sexta! A faculdade de Farmácia, em Itajaí, consumia todo aquele tempo irrecuperável em que eu não estive na praia, os pés espojados na areia, respirando a saudável maresia da juventude. Enfim, alguém numa mesa próxima comparou o garoto-propaganda da Brahma com o gênio Noel Rosa. Uma provocação! Verdadeira blasfêmia cultural.

Zeca Pagodinho é gênio? Reinventou a roda estagnada de um velho engenho macunaímico e é gênio?! Quê nada: a mesma jabuticabeira, a mesma rede de balançar, o mesmo bom selvagem a espera do maná. E Noel Rosa? O maior cronista sonoro da velha capital já tinha mostrado as preguiças e as crenças irracionais do malandro senso-comum lapense. Depois dele, nada de novo debaixo dos Arcos da Glória e ponto final. “Deixa a vida me levar” não é verso que se apresente! Uma vírgula do Noel é infinitamente superior a isto! A malemolência fake do sambinha esotérico de Pagodinho já trazia um quê de jingle na sua previsibilidade.

Naquela época (entre 1996 e 2003), eu rezava o breviário do pragmatismo. A música em questão fazia-me pensar exatamente na ideologia oposta. Horrorizavam-me o proselitismo do improviso, a confiança no porvir, as versões remasterizadas do milenar Maktub, o deus-dará. Eu ficava perplexo ao ver um povo sadio e forte confundido, a todo instante, otimismo e apatia. Deu no que deu: a plebe chegou lá em cima! Subiu a rampa representada por uma minoria que virou elite. Melhor ainda: a minoria que virou quadrilha de mensaleiros.

Sans-culottes, em tempo, respondam-me: adiantou alguma coisa se, de Stalin a Fidel, todos já foram roceiros mal-ajambrados?... Se o despotismo frequentou o Madureza e ficou esclarecido?! Ora, quem ainda não comeu jabuticaba sempre pode acabar enfezado.

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Todos os direitos reservados a André Ferrer

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