sábado, julho 31, 2010

ARESTAS DA HUMANIDADE

Era uma vez um maestro que reuniu a sua orquestra para um diálogo. A cada concerto, o grupo se desentendia: todos queriam brilhar, mas não gostavam de carregar intrumentos. O maestro pensou. Ele concluiu que a única saída era o advento de um novo ofício. A única forma de estabelecer a paz era contratar alguém para o trabalho duro. Sendo assim, eles concordaram. Que inovação! O mundo, afinal, era muito novo naquela época. Os animais falavam. Os carregadores de instrumentos não existiam.

Pois é: o trabalho em grupo sempre foi um mal necessário.

A minha experiência, pelo menos, tem sido de pouca satisfação. Na universidade. Na vida profissional.

Quando estudava, sempre saía perdendo. As criaturas folgadas me cercavam. Com o prazo a vencer, alguém precisava colocar a mão na latrina e revolver a sujeira para que, no final da história, o grupo inteiro brilhasse. Regra da maldição: em trio de três raramente se trabalha em dupla.

Antes que me julguem intransigente ou convencido, explico. Ah! Eu também não quero que me transformem numa espécie de pária nos departamentos de RH.

Sempre gostei de escrever e o meu perfil sempre fazia com que o palpite das pessoas a respeito da minha escolha profissional apontasse para as Humanidades. No curso de Farmácia, que apesar da multidisciplinaridade raramente atrai o interesse de aspirantes a escritor, eu virava tábua de salvação na hora dos penosos trabalhos escritos.

De lá para cá, sinto asco do arrivista em todas as suas versões, com ou sem opcionais de fábrica. E aquele tipo gritante sem nenhum pudor na indiscrição?! Costumo chamá-lo de vampiro do marketing pessoal.

Quem é ele? Ora, ele vive do talento alheio mediante acordos (jamais honrados na sequência), opressão ou cara-de-pau; ele atinge o máximo da sua capacidade vampiresca se há política na jogada. Sim: talvez eu esteja um pouquinho intransigente nesta crônica.

Aliás, uma das vantagens da arte é que o artista pode se confessar imperfeito e impecável a um só tempo. Sim: o ser humano é complexo, às vezes tropeça nas arestas da humanidade. Com sorte, ou azar, às vezes nasce como carregador de instrumentos que também é músico.


André Luiz Ferrer Domenciano é farmacêutico e escritor. Membro da ALCAB, Academia de Letras Ciências e Artes de Bandeirantes (PR). Semanalmente, publica sua crônica no blogue AVASSALADORAS RIO , no site LENÇÓIS NOTÍCIAS e no site BRASILWIKI. Todos os direitos reservados.

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